Em Crime e Castigo, a narração do crime cometido por Raskolnikov (sim, precisei googlar para acertar o nome) é impressionante, e angustiante. Aliás, é interessante como em toda primeira parte do livro, Dostoievsky vai colocando aqui e ali, quase que por acaso, os sinais do que ia no coração de seu trágico herói. Só quando ele toma a resolução final é que compreendemos que o germe do mal já estava em sua alma desde as primeiras páginas.
Em um ensaio maravilhoso sobre MacBeth, Chesterton aponta a grande tentação do homem. Abrir mão da moralidade por um único instante, cometer um ato vil, e depois retomar sua vida como se nada tivesse acontecido. Desde o começo dos tempos essa tentação está presente em nossas vidas, e sempre se revela um engodo, como na peça de Shakespeare. A cena da Lady MacBeth tentando lavar as mãos incansavelmente é simbólica: não há como lavar totalmente o sangue das mãos. Uma vez cometido o crime não há retorno, o caminho é sempre para baixo. Não raramente, quando menos se espera, já está matando novamente.
Não pude deixar de lembrar um caso que acompanhei, de um amigo que matou outro amigo. Sim, isso mesmo. Já tive um amigo que assassinou outro. Fiquei pensando se não passou por ele sentimentos parecidos com os que Raskolnikov sentiu naquele episódio terrível. O mal sempre está à espreita, tentando o homem de todas as formas. Apenas um coração vigilante pode evitar sua ação. Não é possível cometer um assassinato e depois retomar a vida normal. O mal deixa marcas e uma hora o infeliz terá que lidar com seus demônios.
No filme Crime e Pecados, Woody Allen sugere que não, que é possível esquecer o crime e deixar o arrependimento se esvair se tiver força suficiente para suportar os primeiros meses. Aliás, recomendo a trilogia que o cineasta fez sobre esse tema, com três soluções diferentes (Match Point, Crimes e Pecados e O Sonho de Cassandra).
E tudo retorna novamente a grande questão colocada por Dostoievsky, é possível uma vida moral sem um fundamento na transcendência? Ou, em outras palavras, morto Deus, é possível falar em moralidade? Uma questão sempre atual.
Quando Nietzsche afirmou que “deus está morto”, interessante perceber a que “deus” ele se referia. No meu modo de ver um deus utilitário nasce morto. Entretanto, um Deus concebido como Inteligência Suprema é permanente vivo na Natureza (Spinosa) e sua vontade manifesta desafia o homem a fazer permanentemente escolhas para aprendizado constante. A meta é a busca da perfeição lá no plano da perfeição (Platão). Nietzsche entendia que as idéias platônicas eram um engodo, pois que se sustentava num mundo impossível de ser atingido, uma utopia. Mais uma vez, depende do plano do qual se vê a vida. Estar pensando em ganhar o reino do céus sem viver o aqui e o agora é uma visão platônica equivocada, entretanto viver o aqui e o agora sabendo que Deus não joga dados (Einstein) e que há uma finalidade grandiosa pois que vivemos num universo grandioso a ser descoberto é encarar racionalmente a vida.