Mito como verdade

medusa-1366362_640Uma descoberta de Eric Voegelin, possivelmente o maior filósofo do século XX, foi que a sociedade se estrutura politicamente a partir de símbolos compactos que se diferenciam com o tempo. A linguagem parece complicada, então explico. O poeta é o primeiro a perceber a forma com o a sociedade existe, mas não consegue entender exatamente o que percebeu. Sua forma de registrar sua percepção é através da sua arte. Com o tempo, as percepções vão se condensando em símbolos compactos por força da tradição e das diversas criações ao longo do tempo. Esse símbolo compacto toma a forma de um mito, uma história que captura aquela experiência existencial. Portanto, a idéia moderna de que o mito é uma mentira revela a falta de entendimento do que seja o mito. Não é que o mito seja verdade, mas que a verdade está no mito.

O papel do filósofo, no sentido grego obviamente, é de depurar o mito e extrair dele a experiência da realidade. Esse processo, que poucos indivíduos conseguem fazer, é o que Voegelin chamou de diferenciação. É como se o filósofo, recorrendo à razão, buscasse entender o que o poeta percebeu mas que não teve como expressar de outra forma que não fosse através do mito. Não é à toa que quase todas as civilizações possuem um mito fundador, uma narrativa compacta que tenta mostrar com aquela sociedade surgiu. O Brasil é uma das exceções, o que sugere que não sejamos de fato uma civilização ou que não tivemos poetas capazes de apreender um símbolo através do mito.

Quando você entende isso, percebe que o mito é uma coisa muito séria, que deve ser estudado com todo o rigor. Para Voegelin, a questão principal era entender a realidade que deu origem aquele mito e qual o horizonte de consciência que o criador do mito tinha ao dar forma a um símbolo compacto dessa experiência. Esse era o método filosófico por excelência, tomar consciência do que se sabe. Não tem nada a ver com ficar estudando filósofos do passado e decorando fórmulas filosóficas.

Ou seja, passa bem longe do que se ensina em uma universidade brasileira. Não é à toa que a principal do Brasil, a USP, jamais formou um filósofo digno de monta. Formou no máximo historiadores, e ruins, de filosofia.

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