Sobre o 7 x 1, muito além do futebol

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Minha relação com a seleção brasileira foi fortemente abalada na final da Copa de 1998. Foi a última vez que fiquei tenso com um jogo do Brasil, que senti aquele frio na barriga. Aquele 3 x 0 da França quebrou o encanto. Foi um jogo tão esquisito, com tantas repercussões e histórias mal contadas, que nunca mais recuperei aquela torcida de antes. Eu entendia derrotas perfeitamente. Afinal, vivi 82, 86 e 90, sofrendo com aquelas três derrotas. Mas nunca tinha visto uma apatia tão grande, aquela falta de vontade de reverter um resultado. Mesmo o time de 90, tão criticado, caiu lutando até o último minuto, perdendo gols incríveis contra o time de Maradona e cia.

Em 2002 ainda torci, mas sem entusiasmo. O frio da barriga era definitivamente coisa do passado. Na época costumava dizer que torcer mesmo era pelo Flamengo, pela seleção tinha apenas simpatia. Fiquei feliz com o título, mas nada mais do que isso. Menos do que uma conquista de estadual pelo rubro-negro.

Essa simpatia ruiu em 2006. Foi a última vez que cheguei a me entusiasmar pela nossa seleção. Aquele timaço que ameaçava recuperar todo amor pelo futebol brasileiro, que encantou na Copa das Confederações, terminou de forma melancólica a Copa, tomando um show, mais um, de Zidane. Logo veio a público todo o oba a oba que foi feito, talvez o maior caso de salto alto da história do futebol. Fomos todos soberbos, tanto o time quanto nós torcedores. Tínhamos certeza que levaríamos a Copa. Roberto Carlos e seu meião foi o bode expiatório para não termos que lidar com a realidade, a de que desprezamos os adversários.

Daí veio a primeira era Dunga. Não deu mais. A partir daí, veio uma fase de completa indiferença, culminando com a vinda Felipão e a identificação da seleção com o lulismo, como símbolo da república popular, que teria o seu grande triunfo com a vitória na Copa. Quando chegou 2014 a relação tinha se transformado, como costuma acontecer, da indiferença à raiva. Torci contra a seleção em todos os jogos e vibrei com cada gol da Alemanha. Uma seleção tão horrorosa, tão porcamente treinada, tão amadora, não poderia ganhar uma Copa, seria um desserviço ao futebol. Felizmente, perdeu de forma tão incontestável que não teria jeito de esconder para debaixo do tapete, viriam mudanças, quem sabe um resgate ao que já fomos um dia. Triste engano.

Veio o Dunga novamente. Aquilo foi a demonstração de desprezo por todos nós, e de nossa impotência. Somos todos palhaços, foi a mensagem que passaram.  Não aprendemos com o 7 x 1. E duvido que um dia aprenderemos.

Poucos entendem o símbolo que se criou. O símbolo do que nos tornamos como nação e povo. O Brasil é aquele time, que diante do primeiro adversário realmente forte, sucumbiu de forma vergonhosa, para depois se tornar motivo de piadas e memes. Nada é tão característico de nossa relação com o mundo. Fazemos humor com nós mesmos para não termos que encarar a verdade. Escolhemos sempre o mundo como idéia. Escolhemos a segunda realidade, a que criamos com nossa imaginação, pois não temos coragem de nos olhar realmente no espelho. Não queremos ver o que o Brasil revela sobre nós mesmos.

O problema do Rio

_ Você sabe qual é o problema do Rio?

_ Não.

_ O problema é que se houverem dois motoristas disputando a passagem e um deles der a preferência para o outro, será considerado otário. Tudo se resume a uma disputa em que se quer ganhar vantagem a custas do outro. Quem é educado, que cede a vez para o outro, é otário. Valoriza-se o esperto, aquele que usa as coisas em seu benefício, mesmo que atrapalhe a vida de alguém. Não existem honestos ou desonestos no Rio, existem otários e espertos.

_ Nem todos são assim.

_ Sempre há exceções, mas são poucos. Sabe o que é pior?

_ Não.

_ Ensinam isso aos filhos. Ou seja, passa de uma geração para a outra. Não tem como dar certo uma cidade assim. Não se constrói uma sociedade nessa base.

_ Triste.

_ Muito.

Fiquei com esse pensamento na cabeça. Será que o Rio é realmente assim? Alguém algum dia me disse que o Rio é a caixa de ressonância do Brasil. Considerando que seja verdade em relação ao Rio, seria diferente em relação ao Brasil? Otários e espertos. Serão essas as categorias suficientes para descrever o Brasil ou o Rio de Janeiro?