O grande fenômeno do século XX, que prossegue no XXI, foi a hipertrofia do estado moderno e a consequente diminuição do indivíduo. Muitos ainda acham pouco, defendem que esse estado seja ainda mais poderoso e absoluto.
Esse aumento do poder do estado não teria como acontecer não fosse pela tecnologia, pelo avanço científico, principalmente dos processos de gestão. Passo a passo com o aprimoramento da administração privada, os governos foram adquirindo instrumentos para garantir a ampliação de seu papel na sociedade. O resultado é o estado que temos hoje, onde um ferramental tecnológico sem paralelo na história permite que se caminhe a passos largos para um controle absoluto sobre indivíduos e empresas. Algo parecido com o que Huxley visualizou no cada vez mais indipensável Admirável Mundo Novo.
Um dos tipos desse pesadelo moderno, cheio de boas intenções, é o super-tecnocrata. É um funcionário público, honesto, capaz de usar todos esses instrumentos de controle e que conhece a legislação no detalhe; sabe citar artigos e legislações pelo nome, no caso, pelo número. Ele realmente acredita que um sistema criado pelo homem (a legislação) baseado em uma visão de um processo perfeito (como a compra de um bem) pode ser aplicado bastanto seguir o que está previsto.
O que ele não sabe é que nada criado pelo homem é perfeito. A perfeição não foi um dos dons que o homem recebeu. Todos nascemos falhos e esse é um dos sentidos do que os cristãos chamam de pecado original.
O tal processo perfeito não existe pois os processos são reais. Tentar tratar um caso real como se fosse este caso perfeito e até certo tempo utópico, é querer encaixar uma peça quadrada em um triângulo.
Não esto dizendo aqui que deve-ser ignorar a legislação por não ser possível aplicá-la na prática. A grande questão é que mais um sistema limitante constituída de proibições, uma lei deve conter os princípios que devem nortear os atos humanos, todos falíveis. Reconhecer que o bom senso deve ter um espaço na análise de qualquer ato e recordar uma das grandes lições de Tomás de Aquino é fundamental para se conduzir uma administração pública.
Que licão é essa? A de que toda norma é geral e toda situação é particular e concreta. A arte do sábio é saber aplicar a primeira na segunda, ou seja, encaixar um quadrato em um triângulo. Aquino se referia aos 10 mandamentos e as normas morais; mas o mesmo princípio vale para qualquer legislação. As situações são particulares e devem ser julgadas como tal.
Esse princípio não entra na cabeça do super-tecnocrata. Para esse existe realmente um mundo perfeito regido por leis perfeitas. Confia segamente em leis e regulamentos e qualquer ato em desacordo com o previsto deve ser penalizado o infrator. Tudo é dano ao erário, independente se o tal erário é danificado ou não. Não tem compreensão verdadeira do que seja bom senso pois, para ele, o bom senso é o extrito cumprimento de uma norma lega. Os números dos artigos e leis são os cânones que usa para fazer seus julgamentos. No fundo, é um fanático como qualquer falso religioso que quer tratar as leis gerais independente das situações particulares.
A simples existência de pessoas assim mostram um sistema doente. Esse é um dos motivos que o estado deve ser visto como um mal necessário e deve ter seu poder limitado. O indivíduo deve ter um certo grau de liberdade, podendo errar ou acertar, mas sempre sendo julgado por seus motivos e sua grau de responsabilidade e não pelo simples cumprimento de um dispositivo legal.
A pretenção de querer ser perfeito é a pretenção de querer ser Deus. O fruto dessa idéia só pode ser a desgraça e o sofrimento.