A base do crescimento real é a poupança

Imaginem uma pessoa sozinha numa ilha deserta. Para sobreviver, ela passa o dia pescando. O resultado desta pesca são 3 peixes diários.

Um belo dia, essa pessoa resolve economizar um peixe. Come dois e guarda o terceiro. No dia seguinte, faz a mesma coisa. Come dois e guarda o terceiro. Agora possui dois guardados. No terceiro dia não pesca. Usando os dois peixes que guardou para se alimentar, usa o tempo para construir uma rede. No quarto dia, pesca 10 peixes.

Assim funciona uma economia, o resto é mágica. Para enriquecer de verdade, um país precisa aumentar sua produtividade, o que exige investimentos. Em outras palavras, ele precisa retirar recursos da satisfação imediata (consumo) para acumular o famoso capital (investimento). O instrumento para isso se chama poupança.

Consumidores devem poupar para liberar recursos para investimentos através do sistema bancário. O governo deve poupar para tirar menos dinheiro da sociedade, o que implica em gastar menos do que arrecada. O tempo de privação de consumidores e governos será recompensado posteriormente com um aumento da produtividade que gerará uma maior riqueza. Ou seja, para crescer é preciso uma certa dose de sacrifício da geração presente.

Nas últimas décadas abraçou-se a ilusão que se poderia fazer a mesma coisa simplesmente distribuindo dinheiro criado (usando o artifício dos juros baixos e criação de créditos eletrônicos). O resultado é que a economia perde a orientação e começa-se a fazer uma série de investimentos que em situações normais não seriam feitos, gerando desperdício dos tais escassos recursos disponíveis.

Uma hora a situação se torna insustentável porque passa a existir a disputa por estes recursos escassos, como trabalhadores e máquinas, gerando aumento generalizado dos preços. Para evitar a inflação, os governos elevam os juros, tentando tirar dinheiro da economia. As dívidas sobem, obrigando pessoas e empresas a se ajustar a nova situação, diminuindo o consumo. Se os salários não diminuirem, o resultado será sempre o desemprego. O próprio Keynes sabia disso e recomendava que deixasse a inflação corroer os salários para que a população não percebesse o que estava acontecendo.

Isso está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos há 5 anos. E vai durar por bastante tempo. Só que existe um detalhe, são países ricos, que possuem gorduras para queimar. E quando a recessão acontece em um país pobre? Estamos vendo agora, infelizmente de dentro.

Mundo superpovoado?

Aposto que se fizerem uma pesquisa de percepção, perguntando às pessoas se consideram o mundo superpovoado, a esmagadora maioria consideraria que sim. Afinal, somos quase 7 bilhões de pessoas no globo! A imagem que nos vem a mente é da Índia , o metrô de São Paulo na hora do rush, a cidade de New York. Certamente temos gente demais no planeta e pior, continua crescendo.  Mas será esta percepção verdadeira?

Outro dia saí de Brasília para levar o carro de minha mãe para Campo Grande. Dormi em Jataí, no interior de Goiás, e cheguei hoje à tarde ao meus destino final. Foram 1050 km de percurso. Deu para contar nos dedos das duas mãos as cidades que atravessei; a grande maioria mais para vilas do que propriamente para cidades. Cheguei a fazer um percurso hoje de mais de quase 200 km entre uma cidade e outra. Imensas fazendas com áreas a perder de vista e um enorme vazio.

O problema do número bilhão é que automaticamente nos sugere um número gigantesco, que foge à nossa percepção. Basta ver que não conseguimos registrar esse número em 99% das calculadoras do mundo. Mas será um número necessariamente grande?

Vejo que o corpo humano tem 10 trilhões de células. Comparado com este número, um bilhão parece pouca coisa. Parece que temos um total de 5 milhões de km3 de água doce no planeta. Todos parecem concordar que essa quantidade é pouca, mas se mudarmos de unidade, para hm3, chegaremos a 5 bilhões; se levarmos para litros então, não sei nem como expressar.

Ou seja, o número em si, não representa nada. O que sabemos é que não há dúvida que o metrô de São Paulo, na estação da Sé, as 18:00 de um dia de semana é insuportável. No entanto, no mesmo horário, há pessoas caminhando tranquilamente no Parque do Ibirapuera. E as praias do Rio de Janeiro estão praticamente vazias, boas para uma partida de futebol de areia.

Fiquei pensando o que aconteceria se toda a população do mundo fosse deslocada para o Brasil. Teríamos uma densidade de 747 pessoas por km2. Seria a maior do mundo? Vou no google. Seria a décima, logo depois de Jersey, aquela ilha que condenou o Maluf. E o primeiro, qual seria? China? Índia? Que nada, Mônaco! Um país que está muito longe de ser considerado um inferno para se viver! Lá a densidade é de inacreditáveis 16.000 habitantes por km2! A própria Nova Iorque tem uma densidade de 10.000 habitantes por km2, e seus moradores adoram a cidade.

Retomando, se toda a população do mundo fosse colocada no Brasil, a densidade seria vinte vezes menor que o principado de Mônaco. E o resto do mundo estaria desabitado! Parece um mundo superpovoado? Ou parece um mundo com algumas regiões superpovoadas, bem poucas por sinal? Sobre a China, sempre uma referência para superpopulação, a densidade é menor que a dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na relação de países do mundo, fica no lugar 54. A Suiça, aquele país inóspito, fica em 44.

Se aplicássemos a densidade da Suiça no tamanho do planeta, teríamos uma população no planeta de 27,6 bilhões de pessoas.

A segunda questão seria se estamos nesse caminho. Contrariando todas as previsões, as taxas de crescimentos estão caindo fortemente, inclusive na África e Sudeste Asiático. Nestes locais elas ainda são relativamente altas, cerca de 4 filhos por mulheres, mas era de mais de 8 há pouco tempo atrás e continua caindo. O mundo como um todo está na faixa de 2,2, justamente a de estagnação populacional, mas cairá ainda mais em uma década. Significa que chegaremos nos 8 bilhões em 2050 (26 anos de 7 para 8). Já maior do que os 12 anos de 1963 a 1975. Ninguém arrisca dizer se chegaremos algum dia nos 9. Mais provável que terminemos o século em torno de 7. Já há modelos prevendo 6 bilhões.

Em resumo, minha imagem de um mundo de imensos vazios demográficos não estava completamente errada; nem minha intuição de um planeta surpreendentemente subpovoado. Parece que o principal fator é a urbanização, que está longe de diminuir para as próximas décadas. Ainda há continentes inteiros vivendo no campo. Talvez o grande desafio da humanidade não seja enfrentar um suposto crescimento, mas de ter um mundo mais distribuído. Não há como viver todo mundo em algumas poucas cidades. 

Encaixando quadrados em triângulos

O grande fenômeno do século XX, que prossegue no XXI, foi a hipertrofia do estado moderno e a consequente diminuição do indivíduo. Muitos ainda acham pouco, defendem que esse estado seja ainda mais poderoso e absoluto.

Esse aumento do poder do estado não teria como acontecer não fosse pela tecnologia, pelo avanço científico, principalmente dos processos de gestão. Passo a passo com o aprimoramento da administração privada, os governos foram adquirindo instrumentos para garantir a ampliação de seu papel na sociedade. O resultado é o estado que temos hoje, onde um ferramental tecnológico sem paralelo na história permite que se caminhe a passos largos para um controle absoluto sobre indivíduos e empresas. Algo parecido com o que Huxley visualizou no cada vez mais indipensável Admirável Mundo Novo.

Um dos tipos desse pesadelo moderno, cheio de boas intenções, é o super-tecnocrata. É um funcionário público, honesto, capaz de usar todos esses instrumentos de controle e que conhece a legislação no detalhe; sabe citar artigos e legislações pelo nome, no caso, pelo número. Ele realmente acredita que um sistema criado pelo homem (a legislação) baseado em uma visão de um processo perfeito (como a compra de um bem) pode ser aplicado bastanto seguir o que está previsto. 

O que ele não sabe é que nada criado pelo homem é perfeito. A perfeição não foi um dos dons que o homem recebeu. Todos nascemos falhos e esse é um dos sentidos do que os cristãos chamam de pecado original. 

O tal processo perfeito não existe pois os processos são reais. Tentar tratar um caso real como se fosse este caso perfeito e até certo tempo utópico, é querer encaixar uma peça quadrada em um triângulo. 

Não esto dizendo aqui que deve-ser ignorar a legislação por não ser possível aplicá-la na prática. A grande questão é que mais um sistema limitante constituída de proibições, uma lei deve conter os princípios que devem nortear os atos humanos, todos falíveis. Reconhecer que o bom senso deve ter um espaço na análise de qualquer ato e recordar uma das grandes lições de Tomás de Aquino é fundamental para se conduzir uma administração pública. 

Que licão é essa? A de que toda norma é geral e toda situação é particular e concreta. A arte do sábio é saber aplicar a primeira na segunda, ou seja, encaixar um quadrato em um triângulo. Aquino se referia aos 10 mandamentos e as normas morais; mas o mesmo princípio vale para qualquer legislação. As situações são particulares e devem ser julgadas como tal.

Esse princípio não entra na cabeça do super-tecnocrata. Para esse existe realmente um mundo perfeito regido por leis perfeitas. Confia segamente em leis e regulamentos e qualquer ato em desacordo com o previsto deve ser penalizado o infrator. Tudo é dano ao erário, independente se o tal erário é danificado ou não. Não tem compreensão verdadeira do que seja bom senso pois, para ele, o bom senso é o extrito cumprimento de uma norma lega. Os números dos artigos e leis são os cânones que usa para fazer seus julgamentos. No fundo, é um fanático como qualquer falso religioso que quer tratar as leis gerais independente das situações particulares.

A simples existência de pessoas assim mostram um sistema doente. Esse é um dos motivos que o estado deve ser visto como um mal necessário e deve ter seu poder limitado. O indivíduo deve ter um certo grau de liberdade, podendo errar ou acertar, mas sempre sendo julgado por seus motivos e sua grau de responsabilidade e não pelo simples cumprimento de um dispositivo legal.

A pretenção de querer ser perfeito é a pretenção de querer ser Deus. O fruto dessa idéia só pode ser a desgraça e o sofrimento.