Clube de Compras Dallas: exemplificando o sofrimento

Uma das grandes ilusões da modernidade é acreditar que podemos evitar o sofrimento. A idéia em si nem é nova, Boécius a expressou com singela beleza no melhor livro de introdução à filosofia já escrito: A Consolação da Filosofia. O senador romano tentava entender como um homem probo como ele poderia estar condenado à morte por um crime que não cometeu. Causava-lhe espanto que coisas ruins pudessem acontecer com pessoas boas.

Santo Agostinho também tratou do tema em Cidade de Deus. Segundo ele, era essencial que coisas ruins pudessem acontecer com homens independente de seus méritos. Se não fosse assim, o homem bom seria levado à soberba e o homem ruim ao fatalismo. Como Chesterton explicou depois, a recompensa do homem justo não poderia estar na vida terrena pois levaria a humanidade à terrível conclusão que todo homem de sucesso era um bom homem, o que sabemos estar longe da verdade. Jó era o melhor dos homens, e justamente por isso sofreu como poucos.

A verdade é que todos experimentamos o sofrimento. No entanto, nem todos entram em desespero quando é acometido por um grande mal. Qual o segredo? O que leva alguns a suportar o sofrimento muito melhor que outros?

VIctor Frankl nos deu uma resposta. O desespero é o resultado da diferença entre sofrimento e o sentido. Se entendermos o motivo do mal, o seu sentido, não há desespero pois tudo se encaixa em um plano. Se, ao contrário, formos incapazes de enxergar o sentido, todo o sofrimento transforma-se em desespero.

Clube de Compras Dallas exemplifica a tese de Frankl. Ron Woodroof, um eletricista bronco, que passa a vida no jogo, drogas e mulheres, descobre em pleno ano de 1985 que está com AIDS. Em uma época que ser portador do vírus HIV significava uma rápida sentença de morte, ele era um homem condenado. Seria natural entregar-se ao desespero, ainda mais sabendo que o fim seria doloroso.

No entanto Ron descobriu que poderia ajudar a si mesmo ajugando outros doentes. Usando uma capacidade empreendedora que não julgava possuir, passou a traficar uma série de drogas não aprovadas pelas autoridades americanas. A história de Ron passa a ser de um luta de um homem para manter a própria sanidade, e assim ele tinha encontrado um sentido para sua doença e sua vida.

Ainda segundo Frankl, o sentido está ligado àquela coisa que só você pode fazer. Não significa que terá prazer com ela, muitas vezes será um fardo, mas que você entende ser o único capaz de fazê-la; caso se recuse, ninguém o fará. Ron abraça sua cruz e sem a menor alegria passa a tocar o novo negócio, cujo único lucro pessoal é financiar o próprio tratamento, que no máximo prolongará sua vida alguns poucos anos. É o suficiente. Não se trata de uma redenção como alguns enxergaram, mas de um homem com muitos defeitos que encontra um sentido para sua vida, pelo menos o suficiente para suportar o sofrimento que terá pela frente.

A lição que fica é que coisas ruins acontecem. Ao invés de lamentar a injustiça, como Boécius na prisão, devemos procurar o sentido, evitando assim o desespero. Frankl descobriu isso no Campo de Concentração em que esteve preso na II Guerra Mundial. Percebeu que nenhum judeu cometia suicídio ou entrava em desepero, por maior que fosse o sofrimento. Eles sabiam que iriam morrer, mas sabiam que estavam lá por algum propósito divino. O mesmo pode-se dizer dos primeiros cristãos nos martírios. Sofrer não significa desespero, a não ser que não acreditemos no sentido, embora muitas vezes não o encontremos.

Quando a modernidade fecha a porta para a transcendência, ela condena o homem ao desespero, pois certas respostas não podem ser encontradas no plano material. Viver sem Deus pode funcionar na alegria, mas pode ser deseperador no sofrimento. E, acreditem, ele virá.