Um diálogo sobre o aborto

_ Sobre essa questão do aborto eu já pensei muito e não tenho dúvida em dizer que sou a favor.
_ Eu te invejo.
_ Por que?
_ Porque você sabe de algo que não sei. Você sabe que o feto não é uma vida humana.
_ Não é bem assim. Ninguém pode dizer com certeza onde começa a vida humana. Isso que vocês não entendem e querem que aceitemos que a vida começa na concepção. Não acredito nisso.
_ E onde começa?
_ Não sei. O ponto é que ninguém sabe.
_ Significa que pode ser na concepção?
_ Pode, mas acho difícil.
_ Então temos um problema.
_ Que problema.
_ Só existe quatro possibilidades para o aborto. Três são claramente criminosas e a quarta, que seria realmente defensável, você a afastou.
_ Como assim?
_ A questão pode ser resumida em quatro hipóteses baseada em duas perguntas. Se o feto é uma vida humana é a primeira.
_ E a segunda?
_ Se sabemos a resposta.
_ Explique melhor.
_ Cada uma dessas perguntas admite um sim ou não, o que nos coloca quatro possibilidades. A primeira: o feto é uma vida humana e sabemos disso. Você concorda que neste caso seria um crime?
_ Neste caso, sim.
_ Passemos ao segundo caso. O feto é uma vida humana mas não sabemos disso. Nesse caso também seria um crime, provocado por uma negligência, mas mesmo assim um crime. É o caso do caçador que atira em uma moita e do outro lado tem uma criança. Por sua negligência em saber o que tinha do outro lado, ele cometeu um crime. Culposo, mas mesmo assim um crime.
_ De acordo.
_ Vamos, portanto, para o terceiro caso. O feto não é uma vida humana mas não sabemos disso. Continua um caso de negligência criminosa. Você vê a moita balançando, não sabe se trata-se de uma criança ou um veado, mas atira assim mesmo. O fato de ser um veado não muda o fato que poderia ser uma criança.
_ É verdade.
_ A única hipótese do aborto ser justificado é o de que o feto não é uma vida humana e sabemos disso. Você já afastou esta hipótese ao afirmar que não tem certeza quando a vida começa. Veja que quando a suprema corte americana deliberou sobre o assunto em 1973, chegaram a conclusão que ninguém sabia onde a vida começava.
_ Exato.
_ O problema é que os mesmo juízes que não sabiam se do outro lado da moita tinha uma criança ou um veado, mandaram atirar.
_ Não é tão simlples assim, há outros fatores, a liberdade da mulher, sua condição de criar uma criança, o controle populacional.
_ Sempre há, mas na essência não há como fugir dos quatro casos que citei. Usando exclusivamente a razão, a única hipótese defensável para o aborto é ter certeza que não se trata de uma vida humana. E, ao que parece, ninguém tem essa certeza.
_ Você está sendo dogmático!
_ Com certeza! E meu dogma é só atirar quando você tem certeza no que está atirando!