The Sword of Imagination _ Russell Kirk
Memoirs of a Half-Century of literacy conflict
Quando a década de 50 começou nos Estados Unidos, a imagem era do triunfo do liberalismo, entendido como a crença no racionalismo e no progresso através da escolha de corretos modelos políticos, econômicos, social, educacional, etc. Lionel Trilling publicava The Liberal Imagination, um conjunto de ensaios literários que mostrava sobretudo que não havia mais idéias conservadoras ou reacionárias em circulação. Apesar de liberal, ele reclamava dessa situação pois impedia que os liberais fossem forçados a examinar suas próprias idéias e aperfeiçoá-las.
Neste contexto surge um jovem intelectual que desde cedo demonstrou uma inclinação pelas idéias conservadoras. Com o tempo, Russell Kirk tornou-se a principal voz de um novo conservadorismo, ou simplesmente um renascimento do conservadorismo, iniciando um movimento que culminaria na eleição de Ronald Reagan e a colocação de conservadores no poder.
A história dessa guerra cultural, ou conflito literário, e de sua própria vida, Kirk conta em terceira pessoa em The Sword of Imagination, suas memórias. O retrato que fez de si mesmo é de um homem de idéias, que entrou no debate no pior momento possível, defendendo idéias consideradas ultrapassadas e que não encontrariam eco nem entre os republicanos, a direita política americana. Metodicamente, Kirk atuou em duas grandes vertentes para virar este jogo considerado perdido.
Primeiro, resgatou e apresentou para a América nomes como Samuel Johnson, Edmund Burke e Toqueville. Em 1953 publicava, com surpreendente sucesso, The Conservative Mind: From Burke to Santayana, demonstrando principalmente que determinadas idéias, e disposição, eram perenes pois eram expressão de uma ordem moral duradoura, que não competia ao homem criar, mas descobri-la.
Segundo, chamou atenção para uma retomada da defesa do conservadorismo que acontecia em trabalhos isolados por várias mentes inspiradas, como Eric Voegelin, Leo Strauss e outros. Através de seus artigos e conferências, estabeleceu um canal para que estas vozes se comunicassem e um debate conservador passasse a existir.
Ao término da década de 50 as bases já estavam formadas para uma transformação de mentalidade que chegaria ao americano médio apenas décadas depois e que encontrariam no ex-ator e governador da Califórnia o canal de expressão do descontentamento com as promessas do liberalismo. Nas palavras de Kirk:
ordinarily the passage of some three decades had been required for a body of convictions to be expressed, discussed, and then at length incorporated into public policy _ or else to be rejected.
Foram três décadas (50 a 80) para que este corpo de idéias conservadoras chegassem ao homem comum e ele pudesse eleger um governo autenticamente conservador com a vitória de Reagan sobre Carter. Nesse período houveram governos republicanos de Eisenhower e Nixon, mas de maneira nenhuma podem ser chamados de conservadores autênticos. Para Kirk, faltava-lhes a capacidade imaginativa necessária para conceber as diversas situações humanas e decidir com clareza, capacidade que se manifestou em Reagan, mas que faltou em seu sucessor George Bush, abrindo caminho para o retorno de um governo liberal em 1992 com Clinton.
The Sword of Imagination é uma grande meditação sobre o poder das idéias em uma sociedade e como a imaginação é fundamental para a política. Se a política é a arte do possível, é preciso que se consiga imaginar o possível para realizá-lo. A falta desta capacidade em homens no poder leva a decisões trágicas como a intervenção no Vietnã e o borbardeio do Iraque na Guerra do Golfo, punindo ainda mais uma população que era oprimida pelo próprio governo.
É também uma reflexão sobre a necessidade de compreender as idéias opostas e saber dialogar com elas, coisa que o próprio Trilling advogou mas que foi incapaz de exemplificar quando se deparou com o ressurgimento de idéias conservadoras, como criticou Kirk. Muitos de seus debatedores, liberais de várias correntes, são descritos com simpatia e sempre buscando as bases comuns. Ao mesmo tempo, ele critica os homens sem idéias, sejam de que lado estejam, como Eisenhower, Bush, Lyndon Johnson e Jimmy Carter.
Um livro para os conservadores entenderem de onde vem certas convicções e para os liberais sinceros entenderem que ser conservador não é uma deformação de caráter, mas um impulso que possui razões honestas para existir, mesmo que estejam erradas. E que idéias tem consequências, mas que exigem um período de maturação para se revelarem no campo político. Considerando que só agora no Brasil certas idéias começam a circular, será preciso uma boa espera. Enquanto isso, vale o lema: a política é a arte do possível. E talvez o possível hoje seja um esquerda menos canalha do que a que temos no poder.