Marcos Nobre publicou um artigo na Folha que merece um vermelho e azul, no estilo do mestre Reinaldo Azevedo.
A nova direita
NÃO FAZ MUITO tempo, a esquerda tinha conseguido estabelecer alguns sólidos pontos de partida do debate político. Aplicar pena de prisão não diminui a criminalidade, porque o crime não é apenas ação de um indivíduo, mas falha de toda uma sociedade. O desemprego não é culpa do desempregado, mas de um sistema econômico que produz injustiça. O progresso material só significa progresso social e político se houver uma justa e solidária distribuição da riqueza. E por aí vai.
Não sei porque estes esquerdistas são tão obcecados em usar o termo nova direita, mas tudo bem, vamos ao artigo. Primeiro parágrafo quase perfeito. Nobre conseguiu resumir bem algumas das principais teses da esquerda, apenas errou no tempo verbal da primeira frase. A esquerda conseguiu estabelecer, e não “tinha conseguido” como escreveu. Estes conceitos estão bem estabelecidos entre intelectuais e formadores de opinião.
Essas posições foram desafiadas e derrotadas. Nos últimos 30 anos, enquanto movimentos e grupos sociais reivindicavam mais liberdade, uma esquerda tradicional respondeu de maneira tradicional: liberdade só com igualdade primeiro. Recusou-se a ver que havia ali um problema real, que a promoção da igualdade não produz automaticamente pessoas autônomas. Ao invés de aceitar o desafio de pensar uma nova relação entre liberdade e igualdade, boa parte da esquerda perdeu-se em discussões bizantinas como a das causas da queda do decrépito bloco soviético.
Pelo contrário, estas posições estão mais vivas do que nunca, o que pode ser observado pela reação contra o filme “Tropa de Elite” que ousou tocar na responsabilidade do usuário de drogas pela violência associada. Aliás, ao observar o bandido baiano, fica difícil imaginar que se a droga fosse liberada ele se transformaria em alguma espécie de empresário. A esquerda não perdeu-se, ele está mais organizada e cínica como nunca, principalmente por ter se livrado da necessidade de defender o criminoso estado soviético. Para ficar melhor ainda, a China adotou a economia de mercado e seduziu os capitalistas ocidentais que fecharam os olhos para a opressão política.
Enquanto isso, a direita se apresentou em nova roupagem, como paladino da liberdade e mãe da democracia -quando se sabe que a democracia de massas foi em larga medida uma conquista do movimento operário contra a direita, que entrava em pânico só de pensar no voto universal secreto. A nova direita ocupou um a um os espaços disponíveis nos meios de comunicação de massa e na esfera pública, em um combate cotidiano contra as teses de esquerda então dominantes. Venceu e transformou a sua vitória em poder institucional.
Não há nova roupagem nenhuma. A direita sempre defendeu a liberdade individual e, em consequência, a democracia. É a esquerda que questiona seus fundamentos ao não aceitar a existência de oposição e transição de poder. Não é verdade que foram os operários que conquistaram o regime democrático, ele foi uma conquista burguesa contra a centralização do poder da aristocracia. Esta vitória da direita só pode ser um delírio do articulista, as teses da esquerda ainda são dominantes, principalmente na intelectualidade e na grande mídia. 9 em cada 10 jornalistas são de esquerda.
O resultado foi uma guinada nos pontos de partida do debate político. O que se pede hoje de todos os lados é mais prisão, mais responsabilização dos indivíduos, mais progresso material puro e simples. E por aí vai. É nisso que consiste a atual hegemonia da direita.
Aqui a quantidade de alfafa foi exagerada. Guinada? Se o que se pede mais alguma coisa é porque ela existe de menos. Aqui evidencia a intolerância do esquerdistas, não se pode nem pedir, é preciso aceitar a doxa socialista. Interessante que Nobre parece defender, na ordem: menos prisão, não responsabilização dos indivíduos, menos progresso material. Hegemonia da direita? A velha tática de acusar o adversário do que é praticado pelo próprio acusador. Vivemos uma era de hegemonia cultural da esquerda.
A nova direita vê a forma atual da democracia como imutável, como o “fim da história”. Avalia toda tentativa da esquerda de transformar a democracia como um ataque à liberdade. Mas, ao mesmo tempo, não vê problema em aceitar -como fez a Folha a propósito da ditadura militar brasileira- o revisionismo histórico e gradações no autoritarismo.
Vejam que Nobre acusa a Folha de ser de direita. Só pode estar de brincadeira! Daqui a pouco vai dizer que o New York Times e a CNN são veículos conservadores…
A atual crise econômica pode alterar esse quadro. Esse é o maior temor da nova direita hegemônica. Mas isso só tem chance de acontecer se a esquerda for capaz de fazer o combate de ideias no espaço público sem continuar a pressupor que seus pontos de partida seguem inquestionáveis. Convencer pessoas que já estão convencidas é puro conformismo.
A esquerda sempre cresce em tempos de crise. O que Nobre defende nas entrelinhas é que a esquerda seja ainda mais efetiva em esconder o que realmente pensa. No fundo deste discurso todo está a constatação que a sociedade como um toda é mais conservadora em seus valores do que se deseja; por isso uma atuação constante da esquerda em destruir estes valores, e o estrago após décadas de mentiras socialistas é grande. O bom esquerdista é eficiente em esconder do povo o que realmente pensa. O direitista padece de não consegui transmitir o que realmente defende, até porque a hegemonia cultural socialista tomou conta da linguagem, deixando o direitista permanentemente na defensiva.
O artigo de Nobre é um exemplo claro de que não existe hegemonia de uma nova direita, apenas a cada vez mais profunda socialização da sociedade. Como diz um amigo, a esquerda já venceu a disputa. Quer agora evitar qualquer tentativa da direita moribunda de tentar virar o jogo. No fundo, todo esquerdista quer a unanimidade.