Reinaldo Azevedo gosta de fazer vermelho e azul para contestar os artigos e editoriais que são publicados na imprensa brasileiro. É um bom exercício de dialética; o leitor pode confrontar duas visões opostas e procurar formar suas próprias opiniões ou mesmo melhorar as que já possui. Lendo o artigo de um tal Salem Nasser, doutor em direito da USP (onde mais?), não resisti e resolvi fazer um azul e vermelho também. O artigo em vermelho, cor usurpada pelos comunistas, minhas considerações em azul.
Cortinas de fumaça
SALEM H. NASSER
Com a tese da legítima defesa, tenta-se negar o que é óbvio a qualquer aluno de direito: Israel viola diversas normas internacionais.
No resumo Nasser acerta totalmente, talvez seu único em todo artigo. Realmente é óbvio para qualquer aluno de direito brasileiro que Israel viola as normas internacionais. O que diz mais sobre os estudantes brasileiros do que das normas internacionais. Ainda mais com um professor como Nasser.
É POSSÍVEL ver, aqui e ali, os corpos que se acumulam e fazer as contas: mais de 750 mortos, um terço deles crianças, e mais de 3.000 feridos, metade deles mulheres e crianças. Somos, no entanto, os que estamos fora de Gaza, bombardeados com discursos que pretendem essencialmente nos fazer esquecer que os cadáveres existem e se multiplicam.
Ninguém ignora os cadáveres de gaza, mas a proporção de mulheres e crianças está bastante exagerada. Será que Israel é tão perverso que só atira nelas para afrontar a “opinião pública mundial”? Ademais, onde estão estes bombardeados discursos que nos fazem esquecer estes cadávares? Por toda parte praticamente só se ver o ataque à Israel
Uma após a outra, são desfraldadas as cortinas que, se não fizerem desaparecer os mortos, nos farão vê-los com outras cores e, eventualmente, justificar o massacre.
O “massacre” já está sendo contado pelos quatro cantos sem cortina nenhuma. Será que não haveria bem menos vítimas “civis” se o Hamas procurasse defender os seus ao invés de expô-los como carne em uma açougue? Para o deleite da imprensa e “pensadores” como Nasser?
A afirmação de que os ataques israelenses são uma resposta aos foguetes palestinos e constituem o único remédio possível é tão falsa que não deveria resistir a um instante de reflexão. No entanto, o mantra é repetido com tamanha calma e com tamanha insistência que se transforma tanto em discurso oficial da imprensa, dos diplomatas e dos estadistas quanto em ponto de partida para qualquer leitura dos fatos.
Observem que a tese não deveria resistir a um instante de reflexão, mas o autor não tem este instante. Não quis dividir com o leitor porque a tese não se sustenta. Eu não sei que imprensa ele costuma ler, mas está difícil um jornal que defenda o direito de defesa por parte de Israel. Diplomata então! Celso Amorim escreveu uma nota repudiando o ataque de Israel, Hugo Cháves expulsou o embaixador israelense. Só para citar algumas “defesas” da diplomacia mundial.
O simples fato de que esse discurso encontra um lugar e as pessoas se permitem sustentá-lo com ares de grande seriedade é suficiente para embaçar a visão de quem porventura pensasse questionar a legalidade das ações israelenses e as de seus líderes.
Eu não sei o que ele anda vendo na televisão ou lendo nos jornais. Se existe algo bem embaçado é a disposição das pessoas, em geral, em flertar com o terrorismo como uma forma legítima de enfrentar o “imperialismo” que enxergam nos Estados Unidos e Israel, uma espécie de 51º estado americano.
Com a tese da legítima defesa, tenta-se negar o que se faz evidente a qualquer estudante de direito internacional: que Israel viola inúmeras normas internacionais e que os líderes israelenses e seus comandantes militares estão cometendo diariamente crimes de guerra e crimes contra a humanidade e que, num mundo em que o direito fosse menos refém da política, seriam todos julgados pelo Tribunal Penal Internacional.
Nasser parece não reconhecer a tese de legítima defesa. Nenhuma palavra sobre os 3000 foguetes disparados pelo Hamas contra civis israelenses. Nem sobre a execução dos membros do Fatah. Pela tese de Nasser, ao final da II Guerra Mundial, estariam nos tribunais de Nuremberg, sendo julgados por crimes de guerra, os Estados Unidos, a Inglaterra, até mesmo o Brasil; basta ver a quantidade de civis alemães que morreram no conflito; inclusive mulheres e crianças.
O direito internacional avançou muito durante o último século, ao longo do qual manteve em seu cerne a preocupação com a paz e com a segurança internacionais. Suas normas incorporaram valores tais como a proteção dos inocentes e o combate à impunidade. Instituições foram criadas para preservar a paz e para julgar os criminosos.
Mas esse mesmo direito traz em si os traços de sua própria fraqueza e, nestes dias, se faz pequeno, se faz ausente, junto com suas instituições.
Quem protege os israelenses inocentes? A comunidade internacional lhe deu as costas. Estas instituições estão repletas de ditadores e assassinos. Basta constatar que existe um representante do governo cubano analisando violações dos direitos humanos. Poderia ser uma piada; infelizmente não é.
Acompanhar a crônica dos eventos e contar os mortos e as tragédias tampouco basta para enxergar claramente. É preciso levantar o olhar e lembrar o contexto em que se inscrevem os ataques do momento.
Aleluia! Irreparável! Tudo certinho neste parágrafo. Enfim concordamos em algo!
Israel há muito trabalha para tornar impossível um Estado palestino viável e para forçar os palestinos a renunciarem a seus direitos históricos e legítimos. Ao longo do tempo, com o apoio incondicional dos EUA, com a aceitação complacente da Europa, adquiriu o apoio dos líderes do Fatah e de vários governos árabes. Resta agora impor aos palestinos uma liderança e um caminho diferentes daqueles que eles elegeram, derrubar o Hamas e extinguir a resistência ao esvaziamento dos direitos palestinos.
Mentira! Em 1999 Israel fez uma proposta audaciosa. Devolução de 90% dos territórios ocupados, Arafat negou. Israel reconhece o direito de existir da Palestina, tanto que retirou-se de Gaza para sinalizar esta disposição. O que não reconhece como legítimo é o direito dos palestinos em destruir Israel.
O que está em jogo agora é mais do que a capacidade dos palestinos de lançar foguetes contra Israel. O que se está desenrolando é um capítulo decisivo do jogo geopolítico no Oriente Médio. Israel precisa dar uma demonstração cabal de sua força e de sua capacidade militar e pretende eliminar um dos últimos obstáculos à capitulação palestina. Se, ao final dessa campanha, os palestinos ainda tiverem a capacidade de resistir, Israel terá sofrido uma derrota relativa.
Israel não pretende a capitulação palestina. Nasser confunde palestino com o Hamas. A maioria do povo palestino não quer a guerra de extermínio, quer apenas um território e o direito de cuidar de sua vida; coisa que o próprio Hamas negou nos três anos que governou a faixa de Gaza. Ao final do conflito, o Hamas ainda terá capacidade de reagir, mas seguramente será menor do que a de antes. Será então uma derrota?
Para enxergar, é preciso também decifrar e não se deixar hipnotizar pelo circo da diplomacia oficial. Para entender, é preciso aceitar que discursos vazios nas cúpulas ensaiadas e abortadas, nas discussões do Conselho de Segurança e nas entrevistas são apenas isto: discursos vazios.
Interessante. Estaria certo se Nasser não visse nestas cúpulas uma defesa de Israel quando o que acontece é exatamente o contrário. O Conselho de Segurança da ONU só não condenou Israel porque os Estados Unidos estão lá, vetando. O resto flerta perigosamente com o terrorismo.
As posições dos Estados e das instituições se fazem conhecer pelos atos e omissões e pelas suas consequências. Para além da encenação, deve-se perceber que, na prática, a comunidade internacional está dando a Israel tempo para levar a cabo a missão.
O que deseja Nasser? Que as Nações Unidas mandem tropas para enfrentar Israel? Por que a mesma comunidade internacional não tratou de enfrentar o Hamas?
Assim como o direito se apequena porque a política o remete a um canto escondido, falta à diplomacia uma coluna vertebral moral.
Moral mesmo é o Hamas usar crianças e mulheres como escudos.
A verdade, inconfessada, é que a comunidade internacional há muito desistiu de encontrar uma solução justa para a questão palestina e busca agora apenas um fim para essa questão. E, ao que parece, se esse fim vier pela via dos massacres e dos crimes, então que assim seja.
Nenhuma palavra sobre o Hamas e seus massacres e crimes. O fato do grupo terrorista não promover um massacre em Israel é um só: não podem. Enquanto existir um grupo terrorista com poder de bombardear diariamente Israel a solução será impossível.
É preciso não se deixar anestesiar nem aceitar os véus como uma bem-vinda cegueira. É preciso não se render à opressiva sensação de impotência diante dos números que contam as massas ensanguentadas e inertes.
Mais um humanista que escolhe cadáveres para defender sua posição. Parodiando Orwell: todos os cadáveres são iguais, mas algum são mais iguais que os outros.
É preciso enxergar os cadáveres e, para além deles, os seres humanos.
E quem não está enxergando? O problema é que Nasser julga-os de acordo com uma causa. É incapaz de enxergar as vítimas do Hamas, mas os palestinos os comove. Essa capacidade seletiva de se sensibilizar pelo ser humano é um dos traços dos humanistas. São para eles que o Hamas usa suas mulheres e crianças como escudo humando. Sob o silêncio cúmplice da imprensa mundial, diplomatas e políticos.