Verdades e Mentiras

O Fato

Semana passada o presidente da república compareceu a uma lançamento de mais um livro sobre os governos militares. A obra não tem nada de novo, sistematiza relatos que já existiam em outros livros com o mesmo enfoque: o governo militar sufocou com tortura e assassinatos aqueles que lutavam pela democracia contra a ditadura. A novidade foi o livro ter sido patrocinado pelo estado, com chancela final do próprio presidente. O ministro da defesa compareceu e diante da ausência dos chefes militares ameaçou de retaliação qualquer manifestação contrária por parte das três forças.

A Nota

O Alto-Comando do Exército (faço questão da inicial maiúscula no nome da instituição, deferência que não concedo ao presidente, seu ministro e o próprio estado) em reunião extraordinária elaborou uma nota sobre o assunto. Dentro do princípio de hierarquia levaram ao ministro da defesa que a aprovou. Dizia a nota:

1. Reuni o Alto-Comando do Exército, em Brasília, no dia 31 de agosto de 2007, para tratar de assuntos de interesse da Força e de fatos recentemente divulgados pela mídia. Com a sua concordância unânime, decidi reafirmar que:
– o Exército Brasileiro, voltado para suas missões constitucionais, conquistou os mais elevados índices de confiança e de credibilidade junto ao povo brasileiro;
– os Comandantes, em todos os níveis, ensinam, diuturnamente, em nossos quartéis, os valores da hierarquia, da disciplina e da lealdade, os quais têm sido cultuados como orientadores da ação permanente da Força;
– a Lei da Anistia, por ser parâmetro de conciliação, produziu a indispensável concórdia de toda a sociedade, até porque fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas. Colocá-la em questão importa em retrocesso à paz e à harmonia nacionais, já alcançadas.
2. Reitero aos meus comandados que:
– não há Exércitos distintos. Ao longo da História, temos sido sempre o mesmo Exército de Caxias, referência em termos de ética e de moral, alinhado com os legítimos anseios da sociedade brasileira;
– estamos voltados para o futuro e seguimos trabalhando, incansavelmente, pela construção de um Brasil mais justo, mais fraterno e mais próspero.

A mensagem

O lançamento do livro em si nada representa de novo. A grande questão é a campanha que vai se montando pela revogação da lei da anistia, só que apenas no que diz respeito aos militares. O sonho dessa turma é ver militares sendo julgado por crimes contra a humanidade, como aconteceu na argentina.

Em nenhum momento colocam em questão os crimes praticados pelos terroristas __ é este o nome correto __ tratados como uma espécie de “guerreiro da liberdade”.

Alto lá. A maioria confessa com orgulho que a inspiração não era a democracia, mas o regime comunista. Não existe uma experiência no globo que associe comunismo, direitos humanos, democracia e justiça. Aliás chega a ser engraçado, se os comunistas tivessem vencido; que tratamento receberiam as forças legais? Flores?

Ninguém nega que tenham existido crimes praticados pelos agentes do estado nos porões do governo militar. O que não se pode aceitar é considerar estas práticas como institucionalizadas.
Nunca foram. Basta fazer uma pergunta, se a tortura e a execução tivesse sido institucionalizadas pelo governo militar estaríamos falando hoje em 400 mortes? E veja que sob custódia do estado foram bem menos vítimas; nesta conta estão incluídos os que morreram com armas na mão, em combate.

Por que os crimes praticados pelos guerrilheiros urbanos e rurais são colocados no esquecimento? Se querem julgar os militares por que não julgar a todos? Falam das famílias dos desaparecidos, e das famílias de suas vítimas? Por que não falam? O que teria a ganhar a nação brasileira em trazer de novo todos estes episódios ocorridos a mais de 30 anos?

Este é o sentido da nota do Exército: a Lei da Anistia, por ser parâmetro de conciliação, produziu a indispensável concórdia de toda a sociedade, até porque fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas. Colocá-la em questão importa em retrocesso à paz e à harmonia nacionais, já alcançadas.

A mídia

E agora vem o festival de bobagens escritas na grande imprensa. Separei dois colunistas. Miriam Leitão e Marcos Nobre.

Diz a primeira:

O ministro Nelson Jobim disse que a questão militar foi superada. Foi mesmo, mas nos seguintes termos: os militares ficaram com a última palavra, o ministro teve que recolher sua ameaça, e o Brasil engoliu mais uma nota do Alto Comando do Exército. Para os militares, não houve o que todos sabem que houve dentro dos quartéis: tortura e assassinatos de dissidentes do regime militar.

É uma impostura de Miriam. O Exército não nega que tenha havido tortura e assassinatos. A palavra “dissidente” é uma generalização que não se aplica. Nem todos eram dissidentes. Muitos eram terroristas e assassinos, o que nem assim justificaria ilegalidades. Haviam inocentes, e por isso devem ser reparados; mas na exata medida das injustiças que sofreram e não nesta fenomenal máquina de reparações que se transformou a comissão de mortos e desaparecidos. O fato é que nos porões não haviam apenas inocentes, o que ela esconde em seu discurso.

Mais a frente diz:

Mas o comandante do Exército, Enzo Peri, reuniu o Alto Comando para afirmar que “fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas”. Ou seja, na visão dos generais, tudo é relativo. Democracia ou ditadura é uma questão de ponto de vista, de interpretação.

Em nenhum momento o comandante disse que tudo é relativo, isto é conclusão, pobre, da autora. O que está dito é que existem diferentes interpretações dos fatos históricos, o que é verdade no Brasil e no mundo inteiro. Há muito tempo o estudo da história deixou de ser considerado uma ciência exata. Ou Miriam interpreta muito mal um trecho escrito ou está evidenciando muita má fé. Deixo a escolha para ela.

Por fim:

O pensamento dos militares é que eles reagiram à radicalização de grupos que agiam de maneira clandestina e ilegal. A verdade é que a radicalização foi precedida pelo fechamento de todos os canais de expressão normais na democracia.

Mentira deslavada. No próprio livro de Elio Gaspari, que nunca pode ser acusado de defender o Exército, está bem claro que a radicalização da esquerda foi a responsável pelo emparedamento de Castelo por Costa e Silva conduzindo ao AI-5. Gaspari afirma que o governo militar só durou o tempo que durou por causa de luta dos guerrilheiros, tanto que após extinto o último foco de guerrilha iniciou-se o processo de abertura de Geisel. E nunca houve o fechamento de “todos” os canais de expressão normais na democracia. Existia até oposição! O que representou gente como Ulisses Guimarães neste processo todo? Nada?

Pior ainda é Marcos Nobre.

Quando se mistura política e militarismo, a democracia costuma balançar. Foi o que se viu na nota do comandante do Exército, general Enzo Martins Peri. O texto considera que colocar em questão a Lei da Anistia importaria em “retrocesso à paz e à harmonia nacionais, já alcançadas”.

O lapso gramatical (“retroceder a” significa “voltar a”) não é importante por si mesmo, mas por levantar dúvidas sobre a posição que o Exército entende ter na democracia brasileira. Afinal, por que o simples “colocar em questão” de uma lei destruiria “a paz e a harmonia nacionais”?

Porque colocar em questão a lei da anistia, principalmente para um lado só, seria retroceder a um tempo de radicalização? O que gente como Marcos Nobre não aceita é que apesar de toda a campanha de difamação contra as forças armadas, esta ainda é a instituição mais respeitada no Brasil em qualquer pesquisa de opinião. E mesmo sendo confundida com a PM!

O que o bravo colunista defende é a discussão democrática dos crimes cometidos no governo militar. Só que a democracia dele não permite que os militares façam uso da palavra. É a típica democracia socialista, só um lado possui a verdade e só este lado pode falar. Não sei onde achou este conceito de democracia, mas deve ser no mesmo que a atual turma que está saqueando o país encontrou a sua.

Falta agora que o Exército venha a público dizer qual é a sua, se é que há mesmo uma única interpretação no interior da corporação. Enquanto as Forças Armadas se recusarem ao diálogo franco e aberto, não há perspectiva de alcançar a “paz e a harmonia” que também desejam.

Como vir a público se uma nota de poucas linhas já é submetida a este tratamento? Basta pegar o livro do Coronel Brilhante Ustra. Não tem em livraria? Por que será? Por que todas as versões dos militares sobre o ocorrido são rejeitadas pelas editoras? Falta de leitores? Mas o colunista está querendo um “diálogo franco e aberto”. Imagino que defenda, por exemplo, que o estado patrocine o livro de Coronel Ustra e o lance também com a chancela presidencial… não? Devo ter entendido errado.

Verdades

O que ambos os colunistas não falam, e na verdade representam a grande maioria de seus colegas, pode ser encontrado no artigo de Jarbas Passarinho de hoje:

No Recife, no aeroporto, detonaram maleta com explosivos, causando mortes e ferimentos graves. Em São Paulo, lançaram carro-bomba contra o quartel do Exército, cuja explosão esfacelou o corpo de um soldado sentinela e feriu gravemente outros cinco deles. No Araguaia, fatiaram com facão, até a morte, o corpo de um menino de 17 anos, na presença de seus pais, porque servira de guia à patrulha que perseguia os guerrilheiros do PCdoB. Mataram, na presença de sua esposa e de seu filho de 9 anos de idade, um oficial americano, julgando-o agente da CIA. Tiraram a vida de um major alemão, aluno da Escola de Estado-Maior do Exército, supondo que fosse outro oficial, boliviano, acusado de prender Che Guevara, o que nunca se deu.

Ainda tem mais:

Quando Prestes saltou de capitão a general, chocaram-se (os militares). Mas, pouco depois, veio o inconcebível: comparar Prestes com Lamarca, oficial medíocre, desertor, ladrão de armamento e munição de seu Regimento de Infantaria, assassino várias vezes, de modestos vigilantes de bancos e de segurança de diplomata seqüestrado, e autor do mais nefando crime militar, ao despedaçar, com coronhadas de fuzil, o crânio de um bravo oficial da Polícia Militar de São Paulo, que se apresentara voluntariamente como refém, para poder evacuar os soldados que haviam sido feridos pelo facínora e seu grupo.

Conclusão

A mentira: durante a sangrenta ditadura militar brasileira jovens idealistas foram torturados e mortos quando lutavam pela democracia e os ideais humanitários.

A verdade: brasileiros pegaram em armas e praticaram atos terroristas na tentativa de implantar uma ditadura comunista no Brasil. Fracassaram. Por causa disso temos que pagar a “bolsa terrorismo” e escutar a vida toda esta pregação falaciosa.

Sei que o texto ficou longo, mas é um assunto que revolta e revela muito da alma de muita gente. O que não entendem e nem admitem, é que a imensa maioria do povo brasileiro acredita nas Forças Armadas, particularmente no Exército. Sabem que houveram excessos, mas sabem que houveram provocações. Isso tudo sendo submetido a esta mentira ao longo de 30 anos! Imagine se não tivessem conquistado as redações e o sistema de ensino!

Ainda existe a esperança de ver um dia o triunfo da verdade e se chamar as coisas pelos nomes apropriados.

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