Abertura do Pan

O prefeito do Rio, César Maia, defende a tese que o governante inicia lentamente seu declínio popular à partir de meados do primeiro ano do segundo mandato. É claro que em se tratando de Lula, nenhuma regra pode ser aplicada a priori.

Mas as vaias de ontem foram significativas, e o presidente sentiu o golpe. Simplesmente não esperava. Estava no Rio de Janeiro, cidade que venceu com folgas nas últimas eleições, seu governo coleciona notícias boas, surfando com a onda do crescimento mundial; sua máquina de propaganda funciona com máxima eficiência. De repente, vaias.

Talvez seja o primeiro sinal de que a crise ética que o congresso se meteu, mais uma vez, está despertando a intolerância contra todos os políticos. Não por acaso o governador e o prefeito também foram vaiados. A novidade é que Lula começa a não ser mais poupado.

Podem argumentar que os espectadores do Maracanã não representam seu eleitorado mais fiel. Não é bem assim. Mesmo que se considere que o público seja de classe mais alta que a média, no Rio a tendência deste eleitorado em particular sempre foi pela esquerda. Heloísa Helena teve excelente performace na zona sul do Rio. Pode sim ser o sinal do início do desgaste.

O atual governo vive exclusivamente do carisma de seu chefe. E a muralha começa a apresentar rachaduras.

Miolo de jornal

As manchetes estão todas voltadas para a corrupção que assola a sociedade brasileira. Qualquer um já tem uma anedota sobre os bois de Renan Calheiros ou a bezerra de outro de Joaquim Roriz. Perdido nas páginas centrais dos jornais alguns temas ,a meu ver muito mais importantes, estão sendo tratados por muito poucos jornalistas.

Por que são tão importantes? Por que revelam métodos e a evolução de um estado de coisas que não podem levar a um bom lugar, como nunca levou.

Racismo

O professor Paulo Roberto da Costa Kramer, da UNB, foi suspenso pela universidade e responde à ação criminal por racismo. Não vou entrar no mérito da questão, e a meu ver nem tem como entrar. Por que? Porque o processo todo lembra o que existe de pior em deturpação de valores e lembra o macartismo americano.

Existe um aluno de mestrado em ciências políticas da UNB que está se notabilizando pela perseguição a professores que julga racistas. Para quem não lembra, ano passado tinha preparado uma arapuca para a diretora de seu curso, tinha combinado com alguns colegas. O problema é que ao mandar um e-mail para alguns colegas que participariam da farsa, enganou-se e mandou para todo o mestrado. O teor já diz tudo:

“Carlos, que bom que você estará nesta mesa da Lúcia, você já sabe né: me passa a palavra no primeiro momento, eu destruo com ela, você não me corta em nenhum momento, deixa ela lá com cara de trouxa e depois me agradece e passa a palavra para o próximo”.

Em qualquer universidade séria, teria sido simplesmente expulso. Tal ato é indigno de um candidato a mestre, mas estamos no Brasil, e por aqui NADA que uma aluno faça é motivo para esta punição cruel. Por isso estamos onde estamos.

O professor Kramer foi vítima de uma destas armações. O aluno levou um gravador escondido para a aula e junto com colegas levou o professor a uma discussão. Uma prova destas não vale no mundo civilizado, mas não pertencemos a ele certo? E mais, com o antecedente que este rapaz mostrou, como pode ainda ser levado a sério?

Para ter uma idéia da coisa, foi feito um processo disciplinar e em palavras do próprio acusador: “O reitor demorou menos de um dia para decidir quando o caso caiu em suas mãos”. O que implica que Kramer já estava condenado antes de iniciar o processo.

Classificação Indicativa

Pegando o gancho no famigerado ECA (Estatuto da Crianca e do Adolescente), o ministério da justiça está empenhado em instituir a classificação indicativa com o pretexto de proteger a criança.

Trata-se de uma mistificação. Argumentam que nos EUA já existe esta classificação. Omitem um importante detalhe: a classificação é feita pelas próprias emissoras. O modelo pretendido é feito pelo estado, por um grupo de censores chefiados por um experiente advogado de pouco mais de 30 anos de idade. A portaria que querem aprovar é um cópia quase idêntica da lei venezuelana que possibilitou a Chavez fechar a principal emissora de televisão de seu país.

Além do mais, de indicativa não tem nada. Se as emissoras desrespeitarem a classificação será processada. Portanto é impositiva.

Hoje o Globo traz a notícia de que Zilda Arns, coordendora e fundadora da Pastoral da Criança, retirou seu apoio à portaria. Deixou claro que defende a liberdade de expressão e mudou de posição porque percebeu que a portaria do governo tem caráter impositivo.

O grande problema é que o lulismo não reconhece os pais como responsáveis pelas crianças. Querem que o estado faça isso por eles. E o próprio presidente recentemente defendeu que cabe a escola pública ensinar sobre sexualidade às crianças, da forma como achar correto e independente da vontade dos pais.

Zilda foi clara: “acreditamos ser responsabilidade de cada família decidir que programas televisivos suas crianças devem assistir ou não“.

Baladaboa

Tem todo tipo de trocadilho aí. É uma pesquisa(?) transformada em campanha com patrocínio da FAPESP. Defende a redução de danos no consumo de ecstasy.

O problema é que a campanha, como a maioria dos programas do gênero no Brasil, não fazem redução de danos, e sim apologia e incentivo à prática. Veja as “informações” trazidas no site:

– “Droga leve ou segura é um termo inadequado a qualquer droga. A interação droga-organismo é algo particular. Uma droga pode trazer prejuízo para uns, sendo inócua ou benéfica para outros”.
– “O efeito do ecstasy varia conforme o organismo e as circunstâncias de uso. As reações a comprimidos idênticos podem ser diferentes para casa usuário e a cada circunstância de uso.”
– “O MDMA [ecstasy] atua sobre vários neurotransmissores, principalmente sobre a serotorina. Em altas doses, pode provocar efeitos desagradáveis e tóxicos.”

Vejam que a droga (qualquer uma) pode “trazer prejuízo para uns, sendo inócua ou benéfica para outros” e que o ecstasy “em altas doses, pode provocar efeitos desagradáveis e tóxicos“.

Reinaldo Azevedo comprou esta briga sozinho, conseguiu que a FAPESP suspendesse o patrocínio, mas depois de muita pressão, com algumas alterações nos flyers, retomou-o.

Pois a Universidade Federal de São Paulo deu notícia ontem da conclusão do primeiro estudo nacional sobre os efeitos do ecstasy, e o resultado em 32 usuários foi devastador.

O ecstasy não pode provocar efeitos desagradáveis, ele causa, e de muito além do desagradável.

Nós, o povo

Demétrio Magnoli abordou hoje no Globo a questão das cotas, particularmente a decisão da Suprema Corte americana.

Magnoli questiona “ações governamentais que dividem o povo por meio da raça“, pois serviriam como promotores da noções de inferioridade racial e levariam a “uma escalada de hostilidade racial e conflito“.

Segundo ele, a decisão americana restaura o princípio de igualdade política de Martin Luther King e já provoca reação principalmente na Fundação Ford, nos EUA e no Brasil, que “traduzem a decisão como uma reação conservadora“. Estes estariam interessados em esconder os argumentos dos juízes sob “uma pilha de chavões vazios“.

O presidente da Corte, John Roberts, escreveu que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é a acabar com a discriminação baseada na raça“. As acões afirmativas apenas invertem o sinal da discriminação, consagrando a raça no domínio da política e da lei, destruindo o princípio da soberania.

O preâmbulo da Carta americana diz “Nós, o povo dos Estados Unidos…“, e foi a primeira na história que fundava-se “sobre o alicerce de um contrato político entre cidadãos iguais“. Magnoli defende que este alicerce se perde se “direitos comuns se convertem em privilégios distribuídos segundo critérios raciais“.

Reconhece que o “povo” não existiu plenamente nos Estados Unidos enquanto vigorou a escravidão e perdurou nas leis o princípio do “separados, mas iguais“, fronteira esta que foi suprimida na década de 60 com o movimento pelos direitos civis.

A decisão atual seria a correção de quase três décadas de equívocos, pois a política de cotas teria sido estabelecida na década de 70 quando se calava o movimento pelos direitos civis por pressão da Fundação Ford e de uma legião de ONGs. “A nação que nem sequer usufruíra os frutos do banimento da raça, foi aprisionada pela velha maldição, vestida nos trajes das cotas raciais“.

O Brasil estaria importando “produtos usados, que fracassaram no país de origem“.

Conclui com o voto em separado do juiz Anthony Kennedy que inicialmente protestou: “Quem exatamente é branco e quem exatamente é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que o indivíduo é impotente para mudar!“. Defendeu, no entanto, a legalidade de iniciativas para seleção de áreas racialmente segregadas para prioridade em investimentos públicos. Segundo Magnoli, não seria “difícil de adaptar essas propostas às condições do Brasil, onde a segregação ocorre decorre mais da renda que da cor da pele“. A dificuldade seria vencer os fanáticos da raça, “cujo imperativo categórico é a divisão da nação em blocos raciais“.