Questão de fé

Em outubro de 2004 eu era o engenheiro membro de uma comissão responsável por uma obra do Exército, portanto pública. O recurso tinha acabado de sair e estávamos lançando a licitação para a construção de 3 edifícios de 3 andares e uma casa. A abertura dos envelopes seria em meados de novembro, e computado os recursos chegaríamos facilmente ao empenho nos primeiros dias de dezembro. Em reunião afirmei o óbvio: tínhamos que nos preparar porque ao final do exercício financeiro a obra provavelmente nem teria começado. O chefe comissão disse que era para terminar em dezembro. Com o apoio do responsável pela comissão de licitações argumentei que era impossível sequer começar, quanto mais terminar. Nunca esqueci as palavras do chefe:

__ Na minha vida aprendi uma coisa e espero que você aprenda também: temos que ter fé!

Naquele momento soube que não havia mais argumentos possíveis, contra a fé não se discute. Mas aprendi uma lição: quando em uma discussão de natureza técnica, ou financeira, alguém levanta o argumento da fé e porque você venceu o debate, embora não leve o prêmio.

Foi divulgado pelo IBGE finalmente o PIB do ano passado. 2,9%. Pela segunda vez superamos apenas o Haiti (que está em guerra civil) na América Latina. Não vou ser tão duro, existem dois resultados absolutamente inverossímeis que ninguém acredita (14% de Cuba e 10,5% da Venezuela). Vá lá, o venezuelano é até possível por causa do petróleo, embora os institutos daquele país já não sejam mais confiáveis, mas o cubano…

Pois a média do primeiro governo de Lula foi de 2,6%. O do primeiro governo de FHC foi de 2,57%. A diferença é que o crescimento mundial nos últimos 4 anos é o maior desde o fim da II Guerra. E estamos perdendo a onda, se já não a perdemos. E qual é a reação do governo:

O IBGE vai mudar a metodologia para cálculo do PIB! Não é uma canalhice? A culpa, vejam só, é do IBGE! Não dá nem para comentar um absurdo destes. E o presidente? Vejam o que ele afirmou hoje sobre o Brasil:

“vive um momento de solidez que pode significar um atrativo enorme para as pessoas de outros países que acreditem que o Brasil é um porto seguro para os seus investimentos.”

O que no governo FHC era fracasso econômico agora é momento de solidez. Até aí ainda estava no petismo normal. Mas o pior ainda estava por vir:

O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) disse ter conversado, pelo telefone, com Lula. Achou-o otimista. E instou os jornalistas a seguirem o exemplo do chefe. “Vocês são jornalistas de pouca fé”, disse o ministro.

E estamos reduzidos a isto. Uma questão de fé!

Estudo OEA sobre violência no Brasil

O Globo:

Os 556 municípios brasileiros com maiores taxas de homicídio de jovens, o equivalente a 10% das cidades do país, concentram 81,9% das vítimas de assassinato de 15 a 24 anos. De 1994 a 2004, o número de mortos nessa faixa etária subiu 64,2%, totalizando 175.548 óbitos. É o que mostra estudo divulgado ontem pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI).

O Estudo mostra que está havendo uma interiorização do crime. Mas é possível ver uma tendência nos dados apresentados. As cidades que se destacam no número de homicídios, por exemplo, situam-se nas fronteiras físicas do país ou nas fronteiras econômicas. Estar áreas tem em comum a ausência do Estado. Mais um dado que contraria os teóricos da criminalidade fruto dos problemas sociais. O principal fator para explosão da violência é que o Estado não está fazendo sua parte. Não prende, quando prende não julga, quando julga não condena, quando condena não cumpre a pena. É muito convite junto ao risco do crime. Muita coisa tem que dar errado para que acabe cumprindo uma pena, que em geral pode ser bem reduzida.

A interiorização é ainda mais preocupante porque mostra que o problema é federal, coisa que nenhum governo quer assumir. É melhor deixar a bomba estourar nas mãos dos governadores.

Pois os governadores, em sua grande maioria, não possuem recursos suficientes para um combate efetivo, e mesmo se possuíssem não seria o suficiente. O principal incitador da violência é o tráfico de drogas, que é assunto federal em qualquer país por suas conexões internacionais, menos aqui.

E novamente se fala em campanha de desarmamento. Tem índices por aí que indicam que diminuiu a criminalidade com a campanha de recolhimento de armas de 2003. Desconfio. Obviamente as mortes por disparo acidental, normalmente por crianças, podem ter efetivamente diminuídas. Mas é muita ingenuidade acreditar que um bandido venda sua arma para o governo.

PS: procuro sempre usar o termo bandido porque de uns tempos para cá ele ficou meio politicamente incorreto, o que é um grande motivo para usá-lo. Bandido é bandido em qualquer parte do mundo civilizado. Aqui é uma vítima da desigualdade social. Parece que os bandidos somos nós.

Mais violência

Vocês conhecem Bernado Cataldo Neto? Pois este senhor foi condenado em 1997 por estuprar uma menina de 14 anos. Foi condenado a 14 anos de prisão. Duvido quem encontre um país (decente) que condene a 14 anos o estuprador de uma menor. Mas isto não é o pior. Devido ao nosso regime de “progressão da pena” ele foi solto após cumprir metade da pena.

Foi preso na segunda-feira novamente. Estuprou uma menina de 3 anos! 3 anos! É a idade da minha filha. Pois além de ter a filha estuprada a família ainda é obrigada a conviver com o fato que o bandido deveria estar cumprindo sua pena na prisão (por menor que fosse).

Enquanto isso as ONGs de proteção aos menores faz pressão no congresso contra a redução da maioridade. Será que ninguém percebe a contradição? Estão se lixando para o menino João Hélio ou esta pobre menina. O que querem é continuar mamando no dinheiro público para supostamente fazer o papel que o Estado deveria fazer. Defendem que em vez de colocá-los na prisão devem ser cuidados com “amor e carinho”.

Pois a pressão das ONGs está fazendo efeito. O Senado recuou ontem na questão e adiou a votação da matéria. A mesma coisa aconteceu na Câmara com novas leis contra a impunidade. Infelizmente devemos esperar mais uma tragédia para a questão andar.
E não vai demorar muito.

Escritórios



Esta foi noticiado no blog do Cláudio Humberto, que por sua vez reproduzia post do blog Acerto de Contas. Este último é escrito por um jornalista e um doutor em finanças, ambos pernambucanos, e hospedados no Jornal do Comércio. Não há palavras para comentários e é um dos casos que reproduzo na íntegra os colegas pernambucanos.

Reparem nas duas fotos. Na imagem de cima, trabalha em seu humilde escritório de 2×3 metros um dos homens mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes. Trata-se de Steve Balmer, sócio fundador da poderosa Microsoft. Na foto de baixo, vista panorâmica do gabinete do prefeito do Recife, João Paulo (PT), com seus 1.100 metros quadrados e que foi reformado recentemente ao custo nada singelo de R$ 1,2 milhão, oriundos dos nossos impostos.

Vamos fazer uma rápida comparação entre esses dois profissionais:

Steve Balmer não é tão conhecido como seu sócio, Bill Gates. Faz mais o estilo ‘low profile’ – que em bom português significa discreto. Até por isso poucos o conhecem, mas quem teve esse privilégio atesta que ele é a verdadeira mente por trás da Microsoft. Administra uma empresa com 63 mil felizes funcionários espalhados por todo o mundo, com faturamento de US$ 10 bilhões a cada três meses – cerca de R$ 84 bilhões ao ano.

O prefeito do Recife, João Paulo, tem personalidade oposta. É o chamado ‘arroz de festa’ – aparece em tudo quanto é evento e não pode ouvir duas latas batendo que já cai no passo do frevo. João Paulo comanda 35 mil servidores municipais mal remunerados e administrou, em recursos ordinários do Tesouro Municipal, R$ 1,3 bilhão em 2006.

Moral da história: nem todo mundo tem o escritório que merece.

Em tempo: nesta não faço distinção de partido político. Por acaso o prefeito é petista, mas a grande maioria dos políticos brasileiros adotam escritórios parecidos. Como com políticos assim uma nação pode dar certo?

Curtas

O ministro Guido Mantega foi mantido como refém junto com a esposa na casa de amigos em Ibiúma durante toda uma madrugada durante um assalto. Pois a esposa do ministro não disse que “os caras foram supergentis”? O que leva uma pessoa a passar a noite sob a mira de revólveres e terminar com uma dessas? Deve ser por ninguém ter morrido, mas daí a dizer que os marginais foram pessoas gentis vai uma tonelada de alfafa.

Engraçado. Não sei porque mas vários jornais e revistas começaram a cobrar uma promessa pública do Presidente da República de conceder entrevistas coletivas toda a semana. Até agora não convocou nenhuma. Queriam o que? Que o presidente desse satisfação do seu governo? Que país essa gente acha que vive?

A OAB tinha apresentado sugestões para a reforma política, que foi tratada com certo desdém pelo Presidente da Câmara. Até aí é discutível. O que não entendi foi o presidente da OAB declarar que era obrigação do congresso escutar o povo. Como assim? Que eu lembre a OAB é representante legal de uma classe, os advogados. Ou estou enganado? Não lembro de ter votado em nenhum membro da entidade para me representar. É bom esse tal de César Brito começar a aterrisar rapidinho pois no pouco tempo que está no cargo só tem falado besteira.

Acordo Brasil-Bolívia

O editorial de hoje do Globo defende o acordo final entre o Brasil e a Bolívia. Argumenta que os dois países se beneficiam, a Bolívia com as divisas e o Brasil com o gás. Mas levanta os custos que o acordo acarretou.

O primeiro é a imagem do país. A politização da diplomacia, condescendentes com os países afinados ideologicamente, gerou uma nova situação. O Brasil inovou com a tese de que “é preciso ser compreensível com os mais fracos”. Se o Itamaraty seguir sempre esta premissa o Brasil perderá em qualquer demanda internacional. “Descobriu-se a fórmula para a derrota permanente”.

Outro preço a pagar envolve a Petrobrás. Os investidores estão descontentes com a submissão política de empresa ao Planalto e ao PT. E estão demonstrando isso com a venda das ações com efeito na depreciação da empresa. Centrar a empresa no PAC agrava ainda mais esta percepção. Só em 2007, até o último pregão antes do carnaval, o valor de mercado da Petrobrás encolheu em 11,3 bilhões. É mais do que vale, por exemplo, a Telemar.

É um alerta para a subordinação de questões técnicas do Estado à ideologias políticas e partidarismo rasteiro.